domingo, 26 de setembro de 2021

Carta ao Adepto III*

 


        Agora, há um novo passo a ser dado. Esse final de semana foi crucial para chegar em algumas conclusões que estavam para serem geradas. Percebo como cada passo é fundamental, como cada momento está criando meu entendimento de mundo. Não existe uma vida lá no futuro, mas a cada situação que se passa, criando experiências.

              Foi fundamental nesse fim de semana as aulas que tive com o professor Marcos Cézar Belmino, sobre Experiência de Campo. Essas aulas sanaram muitas dúvidas, me ajudaram a tecer uma nova compreensão de minha profissão e de filosofia de vida. Seria importante contextualizar isso tudo antes. 

                    Como já foi explanado, havia um conflito em mim entre duas partes, chamei essas duas partes de introversão e extroversão. Havia (ou há) a necessidade de enxergar essas duas instâncias como partes necessárias ao meu processo de individuação (Jung). Bem, depois da aula do fim de semana pude dar um passo à frente em relação a isso. A dúvida que até então estava tendo em relação, especificamente, a minha profissão, - e consequentemente a outras esferas de minha vida, -  era como é a relação terapeuta-cliente, como abordar o cliente. Diante das reflexões de Belmino, pude perceber minha tendência ao controle, a definição da experiência do outro, me afastando da minha própria. Ou seja, a relação terapeuta-cliente como uma análise gestáltica, se preocupa com o terreno da relação, não com o cliente em si, como indivíduo. Individualizar o cliente seria afastá-lo da experiência clínica, torná-lo controlável, diagnosticável.  

                          Assim, posso entender que a relação que tenho com o mundo não é partir de como julgo o mundo, mas como me relaciono com ele. Isso mudou completamente a minha forma de enxergar certas coisas. Meus conceitos, reflexões, interpretações caem facilmente por terra, porque não me permito experimentar, abrir o campo de possibilidades, assim acabo fechando as possibilidades, tornando a realidade algo acabado. Isso foi complementado com a experiência da festa na casa de Júlia esse fim de semana. Ali pude ver que a vida é muito mais rica do que meus conceitos, há muito mais coisas lá fora, possibilidades que eu não poderia imaginar ou fantasiar, existe algo acontecendo no mundo que não está relacionado com minha vida interna.

                            Porém, logo percebi que ali não era minha morada, teria que voltar a minha realidade. Já passei por isso várias vezes, de me divertir em um lugar e sentir pena por ter que voltar a mim mesmo. Na volta veio pensamentos, coisas que talvez estavam no fundo esperando para aparecer e serem vistas. A vergonha, o medo, sensação que aquilo tudo não passou de algo passageiro, de algo que não criou raízes, aquelas pessoas não são de fato pessoas que me nutrem, etc. Foi como voltar a consciência lúcida, como se eu estivesse tentando me distrair do peso da vida. Mas sei que foi muito necessário, não podia aguentar mais estar em casa, olhando para a mesma realidade de sempre, ter os mesmos pensamentos, sentir as mesmas coisas. Foi necessário explodir, foi necessário me pôr para fora, me colocar no mundo, gozar. 

                              Ao chegar em casa li um pouco do livro que peguei emprestado de Júlia. Me trouxe mais outras reflexões. Um livro de Foucault sobre a relação entre Nietzsche, Freud e Marx. Não foi o que estava esperando. De novo, a reflexão sobre a profundidade, sobre a interpretação da vida, sobre a falta de sentido ou a falta de origem para as nossas interpretações. Aqui não há mais necessidade para compreender o mundo, ele é incompreensível, não há um sentido fundante. Porém ainda se faz necessário interpretar. Daí recaio sempre num entendimento que existe algo por trás em tudo, preciso entender  o porque das coisas, as motivações internas para cada ação e acontecimento. Porém, não concebo a falta de motivação, ou minha própria incapacidade de compreender esse algo que motiva. O outro é sempre um exemplo para isso, nunca posso entender completamente o outro, o outro é sempre um estranho, é sempre um desvio. Essa é a base para uma perspectiva relacional, integrar o estranhamento na minha experiência, porque é aí que reside o novo. Porém, essa integração não se dá de forma arbitrária, passa por uma deliberação, por uma escolha, pela capacidade livre de aproximação ou distanciamento. Isso se sintetizou para mim claramente quando entendo que o outro não precisa se afeiçoar a mim, vice-e-versa. O outro é o que ele é, enquanto eu sou o que sou. A relação se dá nesse campo, nesse lugar que compartilhamos. Isso rompe com meu olhar que eu preciso conquistar o outro, que preciso decifrar o outro, para então, controlar. Eu sou livre, tanto quanto você é livre.

                    Isso talvez não seja uma forma de me dispensar de mim mesmo, de fazer esse salto indiscriminado para o outro, isso seria confluência. Mas, posso abrir a possibilidade para o compartilhar, sem também abrir mão do conflito. Não estou aqui tentando defender uma nova visão, uma nova ideologia, me desfiz dessa necessidade. O que impera agora é essa dinâmica figura-fundo, esse constante movimento com ambiente, que me modifica, que me faz crescer. Posso também chamar isso de processo de individuação, porque não?

                     

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